domingo, 20 de março de 2011

Pesquisadores querem 'extensão rural agroecológica' para Amazônia


 

 
 
MONTEZUMA CRUZ
Amazônias

BRASÍLIA – Um forte serviço de extensão rural voltado não somente para assistência técnica em agropecuária, mas também versado em “extensão agroecológica”. Essa é proposta feita pelos pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental Alfredo Homma e Brabo Alves no livro “Amazônia: do verde ao cinza”, em sua segunda edição.

 
Eles entendem que a combinação desses procedimentos desenvolveria uma agricultura com menores impactos ambientais. Recomendam o contínuo remanejamento de técnicos e da oferta de tecnologias pelas instituições de pesquisa.
 
Os autores reconhecem as iniciativas governamentais e particulares como “ineficientes para alcançar o desenvolvimento humano completo”. E propõem uma política agrícola para a Amazônia, centrada no aproveitamento das áreas já desmatadas, das várzeas, da floresta e dos recursos pesqueiros.
 
Na Amazônia, o principal insumo da agropecuária são as cinzas da floresta, assinalam Homma e Brabo Alves. A utilização da terra e as falhas dos grandes projetos destruíram perto de 72 milhões de hectares de florestas, lembram. Eles acreditam que existem alternativas possíveis para reverter tudo isso, apesar das conseqüências negativas da degradação do ecossistema: erosão dos solos e alterações no ciclo hidrológico, responsáveis pelas enchentes e estiagens.
 
“O Código Florestal estabelece que as margens de rios com até 10 metros de largura devem ter 5m de cobertura florestal equivalente à metade de sua largura, e aqueles com mais de 200 m devem ter 100 m de cada margem protegidos”, escrevem. Põem o dedo na ferida: “Muitos rios da Amazônia já estão com suas margens completamente destruídas, alteradas ou servindo de esgoto das cidades ribeirinhas”.
 
No capítulo “A agropecuária com base nas cinzas da floresta”, duas cruéis constatações: 1) desmatamentos para a formação de pastos ou lavouras temporárias não respeitam solos arenosos, de formações lateríticas, de declividade acentuada, nem matas ciliares da margem de rios, lagos, igarapés e nem as matas de proteção das nascentes. “Conhecimentos científicos já disponíveis são praticamente desprezados. Para a instalação de uma atividade agropecuária, quase Não há fiscalização do conselho competente (...)”. 
 
2) Ao longo das rodovias municipais, estaduais e federais, muitas pontes que anunciam a presença de um rio ou igarapé  mostram as margens desmatadas, outras  possuem apenas um filete de água deslizando, quando não está estagnada ou completamente seca, como na estrada de Bragança a Viseu, que conduz a uma visão apocalíptica da Amazônia no futuro.
 
“Pode ser um absurdo, mas alguns fazendeiros da Amazônia já sentem os problemas da seca com a falta de bebedouros naturais para o rebanho bovino. Enquanto a maioria destrói os bebedouros que poderiam servir ao gado com o desmatamento das matas ciliares, outros refazem por três vezes suas barragens arrebentadas pelas fortes enxurradas do período chuvoso”, lamentam.

 
Esse búfalo fotografado em Abaetetuba foi domesticado: puxa lenha o dia todo /MONTEZUMA CRUZ
Amansado, esse búfalo puxa lenha o dia todo em Abaetetuba. E ainda transporta os netos do dono /MONTEZUMA CRUZ

Madeira, Jari...

 
Das rodovias: “Estradas vicinais não passam de trilhas abertas pelos madeireiros, em que as pontes são apenas pinguelas. Os madeireiros são os responsáveis pela abertura das estradas pioneiras dentro da floresta”.
 
Mencionam a reativação do grande Projeto Jari (1,6 milhão de hectares, área equivalente à do Estado de Sergipe) para a produção de celulose na Amazônia e que “engoliu” milhares de hectares de floresta nativa para alimentar a gigantesca fábrica que veio flutuando do Japão para instalar-se à margem do Rio Jari.
 
Alguns cenários vistos no livro: a mata ciliar destruída no Projeto de Assentamento Sombra da Mata (Sudeste do Pará); a duplicação da barragem de Tucuruí e a vegetação submersa nessa área; rejeitos tóxicos a céu aberto, na mina de exploração de manganês abandonada na Serra do Navio, no Amapá; búfalos se banhando em um lago da periferia de Belém; bateria de fornos de carvão para abastecer siderúrgicas; e a Província Mineral de Carajás.
 
 
Pimenta longa foi domesticada por pesquisadores do Museu Emílio Goeldi /MONTEZUMA CRUZ
Pimenta longa foi domesticada por pesquisadores do Museu Emílio Goeldi /MONTEZUMA CRUZ

Pimenta, pau-rosa, búfalos...

 
Os autores condenam os riscos de “práticas insustentáveis abundantes que considerem o meio ambiente como negócio” e apóiam o “desenvolvimento mais adequado, com maior nível tecnológico do setor produtivo”.
 
Para eles, o progresso na biotecnologia e na agronomia mudou o ciclo iniciado com a descoberta do recurso natural, economia extrativa, plantio domesticado e, para alguns, a descoberta do substituto sintético. “A recente domesticação da pimenta longa, pelo Museu Paraense Emílio Goeldi e pela Embrapa, passou diretamente de recurso natural para plantio domesticada, e no caso do pau-rosa, diretamente do extrativismo para o substituto sintético.
 
Dos bubalinos: “Muitos não querem nem pensar em estudos de impacto ambiental da introdução desses animais nos frágeis ecossistemas de campos alagados amazônicos. Em 1974, um dos programas de maior repercussão da Secretaria de Agricultura do Amapá foi o fomento de bubalinos na região dos Grandes Lagos, onde, anteriormente, predominava a bovinocultura extensiva”, escrevem.
 
“A introdução dessa espécie, sem manejo adequado, provocou como impacto imediato a derrubada de milhares de hectares de florestas inundadas de siriubal e manguezais para formação de pastagens de canarana. Mas existem relatos de moradores de que esse ruminante tenha modificado a paisagem da região”.
 
E, se o búfalo sem o manejo adequado “come por um e pisoteia por quatro”, imagine-se o que Rondônia fará com o seu excessivo rebanho da Fazenda Pau d’Óleo, no Vale do Guaporé, algo que certamente será abordado numa terceira edição do livro.
 

Banana: dois cachos por touceira
 

O Pará chegou a ser o maior produtor nacional de banana, em alguns anos à custa do desmatamento. Sul, Sudeste concentravam a produção, especialmente no município de São Félix do Xingu.
 

“Nesse sistema, depois da derruba e queima, os produtores cultivam bananeiras e pastagem, mas colhem no máximo dois cachos por touceira (2002) e em decorrência da falta de manejo e da proliferação de doenças nos bananais, deixam formar a pastagem”.
 

Para os autores, esse sistema de manejo é conseqüência da falta de políticas agrícolas consistentes para a região. “Produzir grãos, mandioca ou outras lavouras permanentes requer uma logística de crédito agrícola, assistência técnica, secadores, silos, armazéns, transporte e comercialização (...) A opção pela pecuária torna-se a única alternativa de investimento no curto prazo".

  
Dar à mata o que é a da mata

Buscar a solução do desmatamento apenas na aplicação do manejo com fins madeireiros ou evitá-lo para sair do “vermelho” ambiental é uma abordagem incompleta do problema que leva a resultados inconclusos.
 

Para “dar à mata o que é da mata”, é preciso valorizá-la como fator de vida em todos os sentidos – social, cultural, biológico, político, econômico etc – e só há um caminho: olhar, entender, estudar e até mesmo usá-la, rastreando-a, porém, com todas as lentes da ecologia complexa, da sociologia multidimensional, da ciência florestal, ou seja, com um olhar sistêmico ampliado.
 

A falta desse tipo de abordagem é responsável por certas “invenções”, como imaginar a atividade extrativa mineral sustentável e integrada à paisagem florestal, algumas apoiadas por incentivos fiscais ou créditos subsidiados por agências públicas governamentais. Daí os autores considerarem que as políticas públicas adotadas na Amazônia sejam indutoras do desequilíbrio ambiental, promotoras de práticas ambientalmente equivocadas, contrariando os enunciados da sustentabilidade econômica, social, cultural e ambiental.  (Da apresentação na contracapa).



ALFREDO KINKO OYAMA HOMMA ALFREDO KINKO OYAMA HOMMA – É amazonense, engenheiro agrônomo, fez mestrado em 1976. Doutorado em Economia Rural, em 1989, na Universidade Federal de Viçosa (MG). Está na Embrapa Amazônia Oriental desde 1976. Recebeu o Prêmio Nacional de Ecologia em 1989, o Prêmio Professor Edson Potsch Magalhães em 1989, o Prêmio Jabuti em 1999 e o Prêmio Samuel Benchimol em 2004. Publicou vários livros.

 

RAIMUNDO NONATO BRABO ALVES RAIMUNDO NONATO BRABO ALVES – É amapaense, graduou-se em Agronomia pela Universidade Federal Rural da Amazônia, em 1975. Recebeu o título de mestre em Agronomia em 1987, pela Universidade Federal Rural de Lavras (MG). Foi extensionista rural no Amapá e exerceu outras funções. Em 1982 iniciou-se como pesquisador agrícola na Embrapa Amapá, onde foi chefe-geral.


 

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